São Bernardo
Catolicismo nº12, dezembro 1951
UMA VIRTUDE OPRTUNA: A FRANQUEZA APOSTÓLICA
De uma carta ao Papa Inocêncio II a respeito dos erros de Pedro Abelardo, teólogo afamado:
Temos em França um indivíduo que de antigo mestre-escola se transformou em teólogo, e, depois de haver passado toda sua juventude nos tumultos da dialética, vem agora enfurecer-se até o frenesi contra as Sagradas Escrituras. Esforça-se ele por ressuscitar todos os antigos erros, condenados há tempo e sepultados no esquecimento, tanto seus como de outros autores, e ainda por cima pretende conhecer quando há de mais elevado no mais alto do céu e quando há de mais recôndito no mais profundo da terra; e, mostrando com seu modo de agir que a única coisa de que ainda não se deu conta é sua insigne nescidade, entra pelos próprios umbrais da vida eterna para esquadrinhar os mais sublimes arcanos de Deus, e em seguida volta a baixar até nós para contar-nos as palavras inefáveis que a nenhum homem é dado exprimir; com o que, enquanto parece disposto a dar-nos cumpridamente a razão de tudo, mesmo daquilo que é superior a toda a razão, o que realmente demonstra é estar contra toda a razão e contra a própria fé.
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Acabamos de ver como, segundo nosso teólogo, a onipotência existe no Padre, e em troca no Filho só há uma certa potência. Diga-nos agora o que sente acerca do Espírito Santo. “A bondade ou benignidade por essência, diz ele, que é o nome com que designamos o Divino Espírito, não é em Deus nem potência, nem sabedoria”. Eu via Satanás, diz o Divino Mestre, que caia do céu como relâmpago (Luc. 10,18). Tal de ser sempre a queda daqueles que se querem fazer maiores do que são e pretendem alturas para eles inacessíveis. Já vedes, Santo Padre, por que graus, ou melhor, por que princípios corre nosso homem para sua ruína. Onipotência, certa potência, nenhuma potência. Só de ouvir tais dislates me horrorizo, e julgo que este meu horror é argumento suficiente para refutá-los. Contudo, dominando a perturbação que embarga meu espírito, aduzirei aquela passagem de Isaías, que no momento me ocorre, e na qual fica vingada a injúria feita ao Divino Espírito. Diz o mencionando Profeta, falando d’Ele, que é: “Espírito de sabedoria e Espírito de fortaleza” (Isai. 11,2). Bastam estas simples palavras para confundir vitoriosamente a inqualificável audácia desse homem, ainda que não sejam suficientes para reprimi-la e aterrá-la. Ó língua palradora! Mesmo que a injúria que fazeis ao Padre e ao Filho vos fosse perdoada, podereis, acaso, o mesmo da vossa blasfêmia contra o Espírito Santo? O Anjo do Senhor só espera um sinal e vai fender-vos pelo meio com sua espada exterminadora, por terdes dito: “O Espírito Santo não é em Deus nem potência, nem sabedoria”. Deste modo, o orgulhoso, quando pretendia trepar até o alto, resvala e se desempenha. (Epístola CXC).