Benoit Bemelmens
Índice
1 – Mediação da Mãe de Jesus nas bodas de Caná
2 – A Medalha Milagrosa
3 – A primeira aparição
4 – A revelação da Medalha
5 – A última aparição
6 – A vida de Catarina na propriedade
7 – A vocação de Catarina
8 – A longa espera
9 – As primeiras Medalhas
10-Os primeiros milagres
Mediação da Mãe de Jesus nas bodas de Caná
Celebraram-se umas bodas em Caná da Galiléia, e encontrava-se lá a Mãe de Jesus. Foi também convidado Jesus com seus discípulos para as bodas. E faltando vinho, a Mãe de Jesus disse-lhe: Não tem vinho. E Jesus disse-lhe: Mulher, que nos importa a Mim e a ti isso? Ainda não chegou a minha hora. Disse sua Mãe aos que serviam: Fazei tudo o que Ele vos disser. Ora, estavam ali seis talhas de pedra, […] disse-lhe Jesus: Enchei as talhas de água. E encheram-nas até cima. Então disse-lhe Jesus: Tirai agora, e levai a arquitriclino. E eles levaram[…] O arquitriclino chamou o esposo e disse-lhe: Todo o homem põe primeiro o bom vinho, […] tu ao contrário, tiveste o bom vinho guardado até agora. Por este modo deu Jesus princípio aos (seus) milagres…
— Evangelho de São João II, 1-11
A Medalha Milagrosa
A verdadeira história da Medalha de Nossa Senhora das Graças narrada as crianças. Tal medalha, conhecida também como Medalha Milagrosa, foi comunicada pela Mãe de Deus a Santa Catarina Labouré. Essa comunicação ocorreu no dia 27 de novembro de 1830 na capela da Casa-mãe das Filhas da Caridade, na Rue du Bac, em Paris.
Catarina Labouré entrara na Congregação das Filhas da Caridade no começo de 1830, para se entregar inteiramente a Deus, fazer sacrifícios, atender os pobres e doentes como se atendesse o próprio Jesus.
Ao se deitar para o repouso naquela noite, no grande dormitório das noviças, ela pensa: “Há tanto tempo sinto vontade de ver a Santíssima Virgem; talvez possa vê-la esta noite!”. Muitas vezes, ao rezar, pedira ao seu anjo da guarda para ver a Santíssima Virgem, a sua Mãe do Céu. Cheia de confiança, adormeceu.
A primeira aparição
Cadeira da primeira aparição da Santíssima Virgem
“Irmã, Irmã!” –– acorda-a uma voz de criança.
A Irmã Catarina desperta, surpresa, e abre a cortina que circunda sua cama. Um menino de quatro ou cinco anos, vestido de branco, encontra-se lá e lhe diz: “Vista-se depressa e venha à capela. A Santíssima Virgem a espera”.
“Mas vão me escutar” –– pensa a Irmã Catarina preocupada. O menino, que adivinhou o que ela pensara, tranqüiliza-a: “Fique tranqüila. São onze horas e meia, e todos dormem profundamente. Siga-me, eu espero por você”.
Irmã Catarina veste-se e acompanha, sem fazer ruído, o menino que caminha à sua frente. É noite, mas a criança é tão resplandecente, que parece carregar um raio de luz. Por onde passa, ilumina tudo. Diante da porta da capela, não precisa abri-la: toca-a com a ponta dos dedos, e ela se abre sozinha.
Surpresa! Todas as luzes da capela estão acesas, por volta da meia-noite!
O menino conduz Catarina junto ao altar, não longe de uma cadeira que ali se encontra. Ela ajoelha-se imediatamente, enquanto o menino permanece de pé.
A demora parece longa para Catarina. As Irmãs encarregadas de vigiar o convento durante a noite não poderão passar por ali e surpreendê-la? Em certo momento o menino chama a atenção de Catarina:“Eis a Santíssima Virgem. Veja-a”.
Então Irmã Catarina ouve um som discreto, algo parecido com o frufru de um vestido de seda. Vem do alto, aproxima-se, detém-se nos degraus do altar e pousa na cadeira.
Mas Catarina duvida: É mesmo a Santíssima Virgem quem acaba de se sentar na cadeira? O menino repete: “Eis a Santíssima Virgem!”. O que se passa então na cabeça da Irmã Catarina? Ela não sabe: é como se não visse a Santíssima Virgem, mesmo estando Ela à sua frente.
Mais uma vez o menino repete-lhe, desta vez com muita ênfase, como se fosse um homem e não um menino: “Eis a Santíssima Virgem!”. Então Catarina não duvida mais. Dá um salto e se coloca junto da Senhora sentada na cadeira. Ajoelhada perto do altar, apóia as mãos sobre os joelhos da Santíssima Virgem e fala prolongadamente com Ela, como à sua Mãe.
A Virgem dá-lhe conselhos e explica como deverá suportar todos os sofrimentos que lhe advirão, oferecendo-os sempre para agradar a Deus.
Para a Irmã Catarina, este foi o momento mais feliz da sua vida.
A Virgem Santa lhe diz: “Minha filha, Deus quer encarregar-te de uma missão”. Para cumprir a missão, Catarina deverá ter a coragem de contar esta aparição e repetir as palavras que lhe serão ditas.
Logo a seguir, a Santíssima Virgem avisa-a: “Os tempos são maus. Desgraças abater-se-ão sobre a França. O Rei será destronado, o mundo inteiro será transtornado por desgraças de todo tipo. Mas vinde ao pé deste altar. Aqui as graças serão derramadas sobre todas as pessoas que as peçam com confiança e fervor, grandes e pequenos”.
A Santíssima Virgem tinha uma expressão entristecida enquanto dizia essas coisas. Logo a seguir Ela anuncia-lhe outras desgraças que virão mais tarde: “Chegará o momento em que o perigo será grande, considerar-se-á tudo perdido. Então Eu estarei convosco”.
A Santíssima Virgem tem lágrimas nos olhos enquanto explica à Irmã Catarina que haverá mortos, entre os quais o Arcebispo de Paris, e que a Cruz de Jesus será desprezada. Em certo momento, devido aos grandes males que anuncia, a Santíssima Virgem não consegue mais falar. A dor reflete-se em seu rosto, e Ela acrescenta por fim: “Minha filha, o mundo inteiro ficará submerso na tristeza”.
A Irmã Catarina demora ainda algum tempo falando com a Santíssima Virgem. Mas finalmente, como se alguma coisa se extinguisse, não consegue ver mais do que uma sombra, que aos poucos se retira pelo mesmo caminho por onde viera.
“Ela partiu” –– disse-lhe o menino, que tinha ficado lá todo esse tempo. Sempre todo iluminado, ele a reconduz pelo mesmo percurso, até seu dormitório. Catarina compreendera bem que aquele menino brilhante era o seu anjo da guarda, que se tornara visível para conduzi-la até a Santíssima Virgem, como lhe pedira tantas vezes.
Já na cama, Irmã Catarina ouve o relógio bater duas horas da manhã. Não consegue dormir, e até a manhã seguinte fica pensando em tudo o que lhe dissera a Santíssima Virgem.
As primeiras realizações dos anúncios das aparições
Rei Carlos X da França
Assim que pôde, Irmã Catarina relatou tudo secretamente a seu confessor e diretor, o Pe. Aladel. Mas este não queria acreditar: “Não são mais que ilusões, minha filha, a tua imaginação inventou essa história”. Além disso, ele não acreditou no anúncio das desgraças: a França está tão feliz e tão calma sob o reinado do bom Rei Carlos X!
Porém, decorridos apenas dez dias, explode uma revolução horrível, que espalha o terror em Paris. Trata-se do começo dos acontecimentos anunciados pela Santíssima Virgem. Algumas igrejas são pilhadas e danificadas; crucifixos são jogados por terra; os sacerdotes são perseguidos e maltratados; o Arcebispo de Paris é forçado a disfarçar-se e esconder-se.
Carlos X, o último rei legítimo da França, foi destronado, devendo fugir para o exílio. A revolução prolonga-se por três longos dias. Porém, tal como anunciara Santa Catarina, nada de grave afetou a sua comunidade.
O Pe. Aladel estava impressionado: não seria por acaso o que a Irmã Catarina lhe prevenira? No seu íntimo, começa a crer. Mas, por cautela, continua a dizer-lhe que não deve dar importância ao que vira e ouvira.
Irmã Catarina sabe que será difícil convencer completamente o Pe. Aladel. A Santíssima Virgem tinha-a prevenido sobre isso. Obediente e resignada, ela busca antes de tudo seguir os conselhos que recebera durante a aparição.
Durante muitas semanas, o sacerdote não lhe fala fora das confissões regulares. Catarina também não lhe fala, e ele crê que ela voltara a ser uma irmã sem história, como as demais.
Mas eis que, quatro meses mais tarde, Irmã Catarina lhe anuncia uma grande novidade: a Santíssima Virgem aparecera-lhe outra vez, e pedira que fosse feita uma medalha da qual lhe indicara o modelo.
A revelação da Medalha
A 27 de novembro, no fim da tarde, enquanto Catarina rezava na capela, a Virgem Maria lhe aparece mais uma vez. Catarina sentira nesse dia um grande desejo de ver a Santíssima Virgem. O desejo era tão intenso, que ela estava certa de que a veria “bela na sua maior formosura”.
Durante sua oração na capela, em meio ao grande silêncio, ouviu subitamente o frufru de um vestido de seda que se aproximava. Catarina levantou a cabeça e viu a Santíssima Virgem de pé junto a um quadro de São José, que então estava do lado direito do altar.
Com os pés apoiados sobre uma meia esfera, Ela pisa sobre uma serpente. Catarina está maravilhada com a beleza da Santíssima Virgem. “O seu rosto é tão formoso, que me seria impossível descrever sua beleza. Trajava um vestido de seda branca”, dirá mais tarde.
Nas mãos, a Santa Virgem tinha um globo; e nos dedos, anéis com pedras preciosas. Destas pedras preciosas saíam raios de luz, que cintilavam de todos os lados.
Ela disse a Catarina: “Este globo que vês representa o mundo inteiro, particularmente a França e cada pessoa individualmente. Os raios, tão belos, são o símbolo das graças que derramo sobre as pessoas que mas pedem. Estas pedras das quais não saem raios representam as graças que se esquecem de me pedir”.
Nossa Senhora fez compreender à Irmã Catarina “como era agradável rezar à Santíssima Virgem; como Ela era generosa para com as pessoas que a Ela recorriam; quantas graças concede às pessoas que lhas pedem; e quanto lhe alegrava conceder essas graças”.
Formou-se em seguida em torno da Virgem um arco ligeiramente ovalado, onde apareciam estas palavras escritas em letras de ouro: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós”.
Então Irmã Catarina ouve: “Faze cunhar uma medalha conforme este modelo; todas as pessoas que a usarem ao pescoço receberão grandes graças. As graças serão abundantes para as pessoas que a levarem com confiança”.
A seguir, o arco ovalado gira e mostra o outro lado: um grande M, inicial de Maria, encimado por uma Cruz; e abaixo dele os dois corações de Jesus e de Maria: o primeiro rodeado de espinhos, e o segundo atravessado por uma espada.
Ao cabo de um momento, a aparição vai-se tornando difusa e desaparece, deixando Irmã Catarina com o coração cheio de bons sentimentos, alegria e consolação.
A última aparição
“Pura ilusão” –– responde-lhe o Pe. Aladel, quando ela lhe contou o pedido da Santíssima Virgem. “Se você quer honrar Nossa Senhora, imite as suas virtudes e deixe de imaginação!”.
A Irmã Catarina permanece calma e não fala mais das aparições, embora a faça sofrer muito a recusa em mandar cunhar a Medalha. A Santíssima Virgem já a prevenira de que sua missão seria difícil. No mês seguinte aparece-lhe uma última vez, também na capela. Como sempre, o som do frufru da seda anuncia sua chegada.
Desta vez a Santíssima Virgem aparece acima do altar, um pouco atrás do mesmo. Tem nas mãos um globo encimado por uma pequena cruz. Novamente os raios de luz, de um brilho muito grande, são projetados pelos anéis e pelas pedras preciosas que Nossa Senhora leva nos dedos, e que iluminam tudo embaixo. Catarina repara que das maiores pedras saem os maiores raios, e das menores saem os raios menores. “Estes raios são o símbolo das graças que a Santíssima Virgem obtém para as pessoas que as pedem”, diz uma voz no fundo do coração de Catarina.
Antes de partir, a Santíssima Virgem lhe diz: “Não me verás mais, entretanto ouvirás a minha voz durante as orações”.
* * *
Mas quem era Catarina? Como tinha sido a sua infância? O que fizera antes de ser noviça das Filhas da Caridade? Antes de apreciarmos a história da Medalha, que fará muitos milagres, voltemos um pouco atrás para conhecer algo da infância de Catarina.
A infância de santa Catarina
A pequena Zoé tinha nove anos e chorava. Sua mãezinha acabava de morrer. Não chorava sozinha. Também choravam seu pai, Pedro Labouré, sua irmã Tonine, de sete anos, e seu pequeno irmão Augusto, que ficara aleijado após ter caído de uma carroça conduzida pela sua ama de leite. Zoé tinha ainda outros sete irmãos e irmãs, todos mais velhos que ela.
Zoé era a Catarina a quem a Virgem haveria de aparecer mais tarde. Na família chamavam-na Zoé, porque o dia em que nasceu — 2 de maio de 1806 — é aquele em que se festeja Santa Zoé. Mas seu verdadeiro nome era Catarina, porque esse foi o que o sacerdote lhe deu no batismo.
A grande sala estava cheia de vizinhos e amigos. Falava-se em voz baixa. No quarto onde jazia a mãe recentemente falecida, rezava-se com fervor. Crendo-se sozinha no quarto dos pais, a pequena Zoé subiu numa cadeira para alcançar a imagem de Nossa Senhora. Abraçou-a e disse-lhe chorando: “Vós sereis agora a minha mamã!”.
Catarina tinha assim acabado de se entregar à Santíssima Virgem, que iria protegê-la ao longo de toda a vida.
De momento, Pedro Labouré tinha de organizar-se para que a vida da propriedade continuasse. As duas pequenas, Catarina e Tonine, deveriam partir para a casa da tia Margarida, irmã de Pedro, que morava a nove quilômetros.
Catarina deixou assim o sítio no qual nascera. Era uma bela propriedade na Borgonha, em Fain-les-Moutiers, dotada de um grande pombal. Seu pai era também pessoa importante na aldeia, da qual foi intendente. Além da dor que lhe causava a morte da mãe, Catarina entristecia-se agora por ter de deixar o pai a quem queria muito. Mas partiu corajosamente com a tia, levando Tonine pela mão.
A tia Margarida e o tio Antonio, seu marido, fabricavam vinagre. Possuíam uma casa grande, acolhedora e muito animada, com dois filhos e quatro filhas, todos mais velhos que as duas pequenas. Foi nesta família que elas ficaram dois anos completos. Findo esse período, e sentindo Pedro a falta das suas filhas, Catarina regressou ao sítio familiar junto com Tonine.
Chegara para ela a hora de fazer a primeira comunhão, e assim a alegria de reencontrar o pai foi redobrada pelo desejo de receber Jesus no coração.
Maria Luísa, a irmã mais velha, ensinou-lhe os trabalhos da propriedade. Nutria um grande sonho, que o regresso de Catarina tornaria realizável: queria ser religiosa, mas para isso era preciso que Catarina fosse capaz de substituí-la como encarregada do sítio.
Catarina, que acabava de completar 12 anos, sentindo-se feliz, comentou com a sua irmãzinha Tonine: “Nós duas faremos andar esta casa”. E com ardor assumiu a pesada tarefa de secundar o pai nos trabalhos da propriedade.
A vida de Catarina na propriedade
Com coragem, ajudada pela pequena irmã Tonine e por uma empregada, Catarina cuidou das tarefas domésticas da melhor forma. Tinha tanta coisa a fazer! Levantava-se com as primeiras luzes da aurora, começava por preparar a comida para toda a família e também para os operários agrícolas que trabalhavam com o pai. Durante as colheitas, ela mesma levava a comida ao campo. Quando preparou pela primeira vez o pão para toda a semana, ficou com receio de não conseguir um bom cozimento no grande forno.
Tinha também que se ocupar dos animais, recolher os ovos das galinhas, ordenhar as vacas duas vezes por dia e levá-las ao bebedouro da aldeia. Como não existia água canalizada, ia buscá-la no poço que ficava na praça, junto ao lavadouro, perto do portão de entrada do sítio. Puxar a água e transportá-la era sempre um trabalho pesado.
Mas o que dava maior satisfação a Catarina e Tonine era ir ao pombal dar de comer aos pombos. Eram várias centenas, e todos conheciam bem Catarina, pois assim que ela chegava, punham-se a voar em seu redor para apanhar no ar os grãos que ela lhes lançava.
Uma vez por semana também tinha que ir de carroça ao mercado, a 15 quilômetros de distância. Levava manteiga e ovos para vender.
Além desses serviços, ocupava-se também de Tonine, e especialmente do pequeno irmão aleijado, com um zelo de mãe.
No início ela não sabia fazer tudo, sendo por isso muito ajudada pela empregada do sítio. Mas com o passar do tempo foi-se tornando capaz de “fazer andar esta casa”, conforme tinha dito. Assim, quando completou 14 anos, a empregada tornou-se desnecessária.
De onde vinha essa coragem de Catarina? Todos os dias ela desaparecia por um certo tempo, porque ia rezar na capela da aldeia que se encontrava bem próxima, ao lado da sede da administração local. Ali, sempre de joelhos sobre as lajes frias, rezava muito tempo. Depois da grande Revolução [1789], deixara de haver ali um pároco, e Jesus não voltou a habitar o tabernáculo, sendo a Missa rezada apenas esporadicamente.
A família de Catarina era muito católica. Seu pai fizera restaurar a capela da Virgem, no interior da igreja, onde Catarina reencontrava sua Mãe do Céu, ao rezar demoradamente diante do quadro que a representava com os braços abertos.
“As orações não adiantam os trabalhos”, dizia-lhe às vezes uma vizinha que não era muito amável. Também outros a criticavam sem razão: “Rezar não é tudo. É preciso também trabalhar”. Mas se Catarina fazia os seus serviços tão bem, era precisamente porque todos os dias dedicava um tempo à oração.
Para a Missa do domingo, ela ia com Tonine à aldeia de Moutiers Saint-Jean, onde fizera a primeira comunhão. O caminho se iniciava por uma ladeira que subia por mais de um quilômetro, percebendo-se lá do alto o campanário da igreja sobre as árvores. À saída, as duas meninas cumprimentavam as jovens da sua idade e voltavam rapidamente para casa. Nos dias da semana, quando podia, Catarina também ia à Missa, percorrendo a pé o percurso de ida e volta, totalizando quatro quilômetros.
A vocação de Catarina
Mas a oração não era suficiente para Catarina. A partir dos 14 anos, ela quis oferecer cada vez mais sacrifícios. Começou a jejuar às sextas-feiras e aos sábados. Em cada um desses dias ela só fazia uma refeição, e nada dizia. Tonine teve medo de que ela adoecesse, e tentou impedi-la:
— “Vou dizer ao pai!”.
— “Pois bem, dize-lhe!”.
O pai repreendeu-a, e deu-lhe ordem para acabar com aquilo. Mas para Catarina esse era um assunto entre Deus e ela, não devendo mais ninguém intrometer-se. E continuou.
Catarina já acalentava, de fato, um grande desejo que um dia confiou em segredo a Tonine: queria ser religiosa, consagrar-se a Deus, atender os doentes e entregar-se à oração. Combinou com Tonine que lhe passaria os cuidados da casa, assim que estivesse crescida o suficiente para assumir sozinha tal responsabilidade.
Certa noite Catarina teve um sonho: Viu-se na igreja da aldeia, no lugar que habitualmente ocupava na capela de Nossa Senhora, quando chegou para rezar a Missa um sacerdote idoso, que ela não conhecia. O olhar muito vivo do sacerdote impressionou-a. No fim da Missa ele fez-lhe sinal para que se aproximasse, mas ela recuou. Pouco depois, e ainda durante o seu sonho, ela foi visitar um doente, mas lá encontrou de novo o mesmo padre que lhe disse: “Minha filha, está muito bem cuidar dos doentes. Hoje fugiste de mim, mas um dia serás muito feliz por poderes vir a mim. Deus tem projetos para ti. Não o esqueças!”.
Um pouco receosa, Catarina afastou-se, mas sentiu no coração uma alegria que lhe deu a impressão de não estarem os seus pés a tocar a terra. Quando no seu sonho ela chegou à entrada do sítio, acordou.
Em breve ela saberia quem era aquele sacerdote idoso.
A longa espera
Ao completar 18 anos, Catarina ainda não sabia escrever, pois nunca tivera tempo para aprender. Agora, porém, era indispensável possuir esse conhecimento para tornar-se religiosa. Como tinha uma prima educadora, que mantinha um internato em Châtillon, foi ali aceita como aluna, ficando Tonine a cuidar da casa durante a sua ausência.
Para alegria de Catarina, em Châtillon havia Missa e um sacerdote a quem confiar-se. Ao ouvi-la contar o seu sonho, e parecendo-lhe a descrição familiar, o sacerdote comentou: “Creio, minha filha, que aquele sacerdote não é outro senão São Vicente”.
Mais tarde, ao visitar uma religiosa em companhia da prima, ela teve ali uma grande surpresa. Viu num quadro o velho sacerdote que lhe aparecera naquele sonho: “Mas é o quadro do nosso Pai São Vicente de Paulo”. Foi ele quem fundou as Filhas da Caridade –– explicaram as religiosas.
Para Catarina, estava tudo muito claro: era ali que deveria tornar-se religiosa. Mas ainda tinha que completar os 21 anos, e temia que o seu pai não estivesse de acordo. Voltou ao sítio e retomou o seu trabalho, mas o pai, que já suspeitava de alguma coisa, estava resolvido a não ceder.
Quando completou 21 anos, Catarina falou-lhe francamente do seu projeto. Mas ele se recusou furiosamente, pois preferia que ela se casasse. Conhecendo a obstinação da filha, e numa tentativa de fazê-la mudar de idéia, mandou-a para Paris no começo do ano seguinte, para ajudar um irmão que tinha um pequeno restaurante e vendia vinho, mas que estava sozinho por ter enviuvado recentemente. Embora muito entristecida por ter de enfrentar a oposição do pai ao desejo de se tornar religiosa, e por se ver assim afastada dele, Catarina obedeceu.
O ambiente do restaurante em Paris não lhe agradou. Os clientes lançavam-lhe galanteios, e o irmão continuava a fazer todos os esforços para levá-la a esquecer o seu grande projeto e convencê-la a casar-se. Mas Catarina não se deixou vencer. A sua vocação permaneceu mais forte do que nunca: ela queria ser religiosa.
Ao cabo de um ano, seu irmão voltou a casar-se. Ela então decidiu voltar a Châtillon, à casa da prima, para continuar a aprender o que lhe faltava.
A prima tinha acabado de casar-se com outro irmão de Catarina, e recebeu-a bem juntamente com o marido. Ambos resolveram defendê-la perante o pai, que acabou finalmente por aceitar sua decisão. Catarina ficou ainda algum tempo na casa da prima, mas passou a freqüentar, tanto quanto possível, o convento das Filhas da Caridade.
A Irmã Vitória, apenas um pouco mais velha do que Catarina, tendo acabado de formá-la nas coisas que ainda lhe faltavam, começou a explicar-lhe a vida religiosa. Por fim, em janeiro de 1830, Catarina entrou como noviça em Châtillon, causando desde logo admiração pelo fervor com que rezava.
Duas vezes por semana as Irmãs preparavam a sopa destinada aos doentes pobres, que traziam cada qual a sua panela para ser enchida.
Mais tarde, a 21 de abril, Catarina partiu para Paris, onde haveria de passar todo o tempo restante da sua vida de religiosa. Não haviam ainda decorrido três meses quando, numa noite de julho, o seu anjo da guarda veio acordá-la para lhe dizer que a Santíssima Virgem a esperava na capela do convento.
A Medalha faz o seu caminho
As aparições da Santíssima Virgem à Irmã Catarina, narradas no início, ocorreram na capela da Casa-mãe das Filhas da Caridade, na Rue du Bac, em Paris. Esta capela existe ainda hoje, e Nossa Senhora continua a derramar abundantes graças aos que vão ali rezar com confiança.
Catarina permaneceu ali durante alguns meses, a fim de completar sua formação. Logo a seguir foi enviada para cuidar dos pobres e idosos no asilo de Enghien, na extremidade oposta de Paris. Esta hospedagem fora fundada poucos anos antes pela Duquesa de Bourbon em memória do seu filho, o charmoso Duque d’Enghien, cruelmente fuzilado por Napoleão.
Ali passará ela toda a sua vida. Ocupa-se dos doentes, dos pobres, dos idosos, como se cada um deles fosse o próprio Jesus. E ainda passa boa parte do seu tempo em orações.
As primeiras Medalhas
Nossa Senhora prometera-lhe, e cumpriu a sua promessa: fala-lhe ao fundo do coração, mesmo não lhe aparecendo mais. E insiste para que se mandem fazer e divulgar as medalhas.
“Ele não me quer escutar”, ousa dizer Catarina à Santíssima Virgem, na sua oração.
“Ele…” trata-se por certo do Pe. Aladel, o confessor de Catarina, que ainda não crê realmente na aparição. É ele a única pessoa à qual Catarina confiara o seu segredo. Mas cada vez que lhe fala disso, o Pe. Aladel repreende-a duramente, chegando a dizer-lhe que está louca.
Por isso, Catarina tem muito medo quando necessita falar com ele. Porém, a Virgem insiste: “Ele é meu servidor, temeria entristecer-me”.
Então Catarina torna a ver o Pe. Aladel, e lhe afirma com coragem: “A Virgem está muito desgostosa!”. Novamente relata a aparição de Nossa Senhora e o seu pedido de fazer cunhar uma medalha.
Desta vez o Pe. Aladel começa a crer. Principalmente porque, como o dissera a Virgem, ele tem medo de entristecê-La. Mas não diz nada a Catarina, e depois de ouvi-la atentamente, despede-se sem manifestar o que pensa.
O Pe. Aladel estava decidido a falar com o Arcebispo de Paris. E faz bem, porque o prelado quer muito a Santíssima Virgem. Ele escuta com atenção… e autoriza que se cunhe a medalha: “Que se difunda simplesmente essa medalha. Julgaremos a árvore pelos seus frutos”.
Então o Pe. Aladel se decide. Mas vai fazer uma medalha um pouco diferente daquela que Nossa Senhora pedira. Não a desenha com o globo — que representa o mundo inteiro, a França e cada pessoa em particular — nas mãos. Em vez disso, representa-a com as mãos abertas e estendidas.
Apesar disto, Irmã Catarina fica muito contente, uma vez que o essencial da medalha está ali: os raios que representam as graças, a invocação “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós”; e no verso, o “M” com a Cruz e os Corações de Jesus e de Maria. Mais tarde ela ainda dirá: sobretudo não se modifique esta medalha.
“Agora é preciso propagá-la” –– diz Catarina com alegria ao Pe. Aladel, que lhe dá uma das primeiras medalhas.
Dois anos haviam se passado depois da primeira aparição da Virgem!
Os primeiros milagres
Começa a distribuição das medalhas. As Irmãs já sabem que Maria Santíssima aparecera a uma das religiosas para pedir que fosse cunhada esta medalha, mas ninguém sabe quem é. Irmã Catarina guardará para sempre o seu segredo, até o fim da vida. E poucos saberão, durante toda sua vida, que fora ela quem vira a Santíssima Virgem e recebera a revelação da medalha.
Enquanto as primeiras Medalhas são difundidas, ressurge em Paris uma terrível epidemia de cólera, doença horrível que causava morte a muitas pessoas, porque não existia cura. As pessoas são dominadas pelo pânico.
Com toda a naturalidade, as Irmãs distribuem as medalhas aos doentes de cólera, recomendando-lhes muita confiança em Nossa Senhora. E os primeiros milagres surgem:
– A pequena Carolina Nenain, de 8 anos, era a única da sala que não tinha recebido a medalha. Contagiou-se de cólera e adoeceu seriamente. Uma Irmã deu-lhe a medalha, e a pequena restabeleceu-se imediatamente: pôde retornar às aulas dois dias depois.
– Uma senhora da aldeia de Mitry, na região de Meaux, estava grávida e foi contagiada pela doença de forma muito grave. O médico não tinha esperança de salvá-la. Deram-lhe a medalha, e ela se curou em poucos dias. A criança nasceu com boa saúde.
– Na mesma aldeia entregaram a medalha a um menino aleijado de 5 anos, que nunca conseguira andar, apesar de numerosos médicos terem sido consultados. Logo no primeiro dia ele começou a andar!
Rapidamente a medalha — apelidada de “Milagrosa” — começou a ser conhecida e a falar-se dela em toda a França, e até mesmo nos países vizinhos. Todo mundo queria uma medalha.
Mas atenção: a Medalha Milagrosa não é um objeto mágico. É a Santíssima Virgem que opera os milagres para aqueles que levam a medalha com confiança e amor. Levar a medalha ao pescoço é colocar-se sob a proteção de Nossa Senhora. É afirmar que amamos Maria Santíssima, e que Ela nos ama.
Ela não somente cura os corpos, mas sobretudo protege as almas. Muitas pessoas que foram más, inimigas de Deus e da Santíssima Virgem, converteram-se e tornaram-se boas. O que é muito mais importante do que curar uma doença.
Uma das primeiras conversões
Um soldado no hospital de Alençon encontra-se prestes a morrer. Dizia coisas horríveis contra Deus e negava-se a preparar-se para entrar no Céu. Temendo que, morrendo nesse estado, ele acabasse indo para o inferno, uma Irmã colocou uma medalha perto da sua cama enquanto ele dormia.
Quando acordou, exclamou fitando o local onde haviam colocado a medalha: “Por que puseram lá uma luz?”
Porém, não havia ali luz alguma; havia só a medalha. Pouco tempo depois, ele acrescentou: “Oh, meu Deus, tende piedade de mim!”
A seguir, pediu um sacerdote para se confessar, e obteve deste modo o perdão dos seus pecados. Ao longo dos dois dias que se seguiram, segurou na mão um crucifixo e a medalha, oferecendo com coragem os seus sofrimentos a Deus. Pouco antes de morrer em paz, disse:“O que me entristece é ter amado a Deus tão tarde, e não amá-Lo hoje mais ainda”.
Multiplicam-se as narrações das curas, das conversões e da proteção da Virgem Santíssima para aqueles que levam a sua medalha com confiança, com amor.
O Pe. Aladel está agora plenamente convencido. Redige um pequeno livro com a história das aparições, sem revelar o nome de Catarina, e ali relata numerosos milagres ocorridos na França e no mundo inteiro.
Para atender aos pedidos, muito numerosos, o primeiro fabricante da medalha tem de aumentar constantemente a sua produção: em poucos anos a medalha espalhara-se pelo mundo inteiro.
Em dez anos ele vendera dois milhões de medalhas feitas em ouro ou prata, e 18 milhões em cobre!
Pelo menos outros 11 fabricantes em Paris venderam tanto quanto ele; em Lyon, outros quatro fabricantes venderam o dobro. Fabrica-se em muitas outras cidades da França e do exterior. Deste modo, em apenas 10 anos, a quantidade de Medalhas Milagrosas distribuídas ultrapassa centenas de milhões!
Em Roma, muitos cardeais distribuem a medalha, e o próprio Papa a oferece a muitas pessoas. Ademais, é em Roma que se operará uma grande conversão, da qual todo o mundo ouvirá falar.
Um grande milagre da Medalha: a conversão de Ratisbonne
Afonso Ratisbonne é um jovem israelita de Estrasburgo, de uma família importante e conhecida. Pertence à religião judaica, embora não seja praticante.
Tem tudo para ser feliz: é rico, jovem, inteligente, e fez bons estudos. Dentro em breve vai casar-se, e após o casamento –– já está tudo combinado –– irá trabalhar no banco de um tio. Só uma coisa o irrita: seu irmão mais velho convertera-se à Religião católica e tornara-se sacerdote. Isso, Afonso não lhe perdoa. É hostil em relação aos católicos, e com freqüência os ridiculariza.
Antes de casar, empreende sozinho uma longa viagem para conhecer a Itália, e assim chega a Roma como turista. Pouco antes de partir de lá, conhece Teodoro de Bussières, um católico amigo de seu irmão. Cumprimenta-o muito friamente. Teodoro, porém, insiste para que prolongue um pouco mais a estadia, a fim de visitar com ele as belas igrejas de Roma. Mesmo procurando recusar, Ratisbonne acaba por aceitar o convite sem saber bem por quê.
E durante os seus passeios, discute religião com Teodoro. Logo no começo, este declara: “Já que você está tão seguro de si, eu lhe proponho um desafio: coloque esta Medalha ao pescoço e leve-a durante vários dias, recitando nesse período esta oração curta que lhe deixo”. E fez com que Afonso copiasse a bela oração do “Lembrai-Vos”.
A oração de São Bernardo de Claraval
Lembrai-vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que têm recorrido à vossa proteção, implorado a vossa assistência e reclamado o vosso socorro, fosse por Vós desamparado. Animado eu, pois, com igual confiança, a Vós, ó Virgem entre todas singular, como à minha Mãe recorro e de Vós me valho. E gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro aos vossos pés. Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo de Deus humanado, mas dignai-Vos em as ouvir propícia, e alcançai-me o que vos rogo. Amém.
Com a intenção de satirizar, Ratisbonne aceitou. E rapidamente decorou a oração, repetindo-a maquinalmente várias vezes por dia, como se faz com a letra de uma canção que fica na memória.
Afonso pensa que, ao regressar, escreverá a história de sua viagem e relatará esta estranha aventura de Teodoro, de sua Medalha e da oração. Aonde quer que vá com Teodoro, ridiculariza os católicos e a sua Religião. E repete que jamais se tornará católico. Mas sempre leva a sua Medalha ao pescoço, e a oração do “Lembrai-vos” não lhe sai da cabeça.
Cinco dias após ter recebido a Medalha, entra com Teodoro numa igreja. Este o deixa sozinho por um momento, pois deve falar com alguém na sacristia. Durante esse tempo, Afonso Ratisbonne passeia pela igreja, olhando-a friamente e achando-a muito feia…
Quando Teodoro volta, não vê Ratisbonne!
Procura-o, e o encontra… de joelhos diante de um pequeno altar, com o rosto banhado em lágrimas! Está tão emocionado, que mal consegue falar. Retira então a Medalha que levava ao pescoço e oscula-a muitas vezes, enquanto chora com emoção: “Ah, como sou feliz! Como Deus é bom! Que plenitude de graça e de felicidade! Como devem ser compadecidos os que não conhecem isto!”.
O que tinha acontecido? Nossa Senhora acabara de lhe aparecer, com as mesmas características que tem na medalha. Ela era tão formosa, cheia de majestade e de bondade.
Eis como ele próprio narra o acontecimento:
“Já fazia algum tempo que estava na igreja, e subitamente senti-me tomado por uma confusão inexprimível; ergui o olhar, e o edifício todo sumira aos meus olhos.
“Uma só capela tinha concentrado toda a luz, para me exprimir desse modo, e no meio desse resplendor apareceu em pé sobre o altar –– grande, brilhante, cheia de majestade e de doçura –– a Virgem Maria tal qual está representada na minha Medalha.
“Ela me fez um sinal com a mão para me ajoelhar, uma força irresistível atraiu-me na direção dela, e pareceu dizer-me: ‘Está bem!’. Ela não me falou, mas eu compreendi tudo”.
Com efeito, ele compreendera tudo. E acima de tudo sabia agora que estava protegido por uma bondade imensa, pelo amor da Santíssima Virgem. Assim, decidiu batizar-se para se tornar católico.
A alguém que lhe perguntara como era a “imagem” de Maria Santíssima que vira, respondeu: “Mas eu a vi na realidade, em pessoa, como vos vejo agora!”
A história de sua conversão percorreu o mundo. Os jornais falaram dela. O próprio Papa recebeu-o com bondade e ordenou uma investigação séria de tudo o que tinha acontecido –– para que este milagre fosse conhecido de todos, sem qualquer contestação possível.
No dia do seu batismo, Afonso acrescenta o nome de Maria ao seu. Doravante chamar-se-á Afonso Maria Ratisbonne. Alguns anos mais tarde, torna-se sacerdote católico. Consagrará a sua vida à oração e a fazer o bem em torno de si, trabalhando especialmente pela conversão dos israelitas.
Trata-se sem dúvida de um dos milagres mais famosos operados pela Santíssima Virgem em favor daqueles que levam a sua medalha.
A Medalha durante a revolução da comuna
1870: começa a guerra! Os prussianos invadem a França e cercam Paris. Torna-se muito difícil sair ou entrar na cidade. A comida começa a faltar, sobretudo para os pobres. Catarina e as outras Irmãs fazem o que podem para atender os doentes, os feridos, os pobres e pessoas do bairro.
Mas a França é vencida, e os prussianos entram em Paris. Começa então outra guerra — ou melhor, uma revolução —, desta vez entre franceses. Na cidade de Paris os revolucionários tomam o poder. Esta revolução chama-se Comuna, e os revolucionários são os communards.(*) São ferozes e pretendem destruir a Religião. Detestam os sacerdotes, o rei e o Bom Deus. Durante três meses fazem reinar o terror. Fuzilam todos os que não concordam com eles. Perecem desta forma muitos inocentes. Não respeitam nem o arcebispo de Paris, Monsenhor Darbois, que é fuzilado com mais 20 sacerdotes!
Finalmente o exército francês penetra na capital para libertá-la daqueles bandidos. Mas por ódio eles incendeiam grande parte dos belos monumentos de Paris e seus palácios.
Durante todo esse tempo as Irmãs correm um risco muito grande. Somente Catarina não tivera medo. Sabia de antemão o que aconteceria, e dissera-o a uma das Irmãs: “Teremos a guerra, uma guerra mais terrível do que a outra e ainda mais mortífera. Oh meu Deus, quanto sangue, quantas ruínas!”.
Mas acima de tudo ela sabe que pode contar com a proteção da Santíssima Virgem. “A Virgem vigiará, Ela protegerá tudo. Não nos acontecerá mal algum”, afirmava às Irmãs inquietas.
Catarina lembra que, quando da primeira aparição, Nossa Senhora lhe dissera, com lágrimas nos olhos, que haveria muitas mortes, incluindo a do arcebispo: “Momento virá em que o perigo será grande, julgando todos que tudo está perdido, mas então Eu estarei convosco”.
Irmã Catarina enfrenta os revolucionários
Na tarde da Páscoa, durante a revolução, um grupo de revolucionários agitados invade o hospital das Irmãs. Estes vêm buscar dois soldados feridos durante a guerra contra os prussianos, acusados, sem razão, de serem os inimigos do povo. Querem fuzilá-los, e os levam à força para a prisão.
A Irmã superiora que dirige o hospital vai procurá-los na prisão e os traz de volta. Mas no dia seguinte os revolucionários retornam. Procuram os soldados por todos os lados, mas não os encontram. Encolerizados, querem levar a Irmã superiora, ameaçam-na com as suas armas. As outras Irmãs, junto com Catarina, declaram que se os revolucionários levarem a Superiora, elas irão todas com ela.
Diante da sua coragem os revolucionários recuam. Mas as Irmãs têm muito medo. Estão todas de acordo: é melhor que a Superiora saia, pois podem voltar a procurá-la.
Irmã Catarina, agora a mais idosa, encarrega-se dos cuidados do hospital. Para evitar que os revolucionários voltem, vai ela mesma vê-los no seu quartel general. Existem lá mais de 60 homens de aspecto perverso, cingidos de grandes cintos de tecido vermelho.
Catarina explica que os soldados feridos são inocentes, e que foram embora. Furiosos, os revolucionários insultam-na e querem prendê-la. Ela replica, cheia de coragem: “Mostrai-me a ordem, o documento que vos autoriza a prender-me”.
“É esta a minha ordem!” –– diz o comandante puxando o seu sabre. Vários homens fortes rodeiam Catarina e querem prendê-la. Então um dos soldados, de quem Catarina cuidara quando estava ferido, pega-a pelos braços e puxa-a fortemente para trás a fim de a salvar. Catarina consegue assim sair, apenas com alguns hematomas nos braços.
Distribuição de Medalhas aos revolucionários
A Santíssima Virgem a protegera. Cumpre dizer que, sempre que pode, Irmã Catarina distribui Medalhas até mesmo aos revolucionários, que as recebem com respeito.
Catarina carrega sempre Medalhas, distribuindo-as a todos que encontra. Os revolucionários o sabem, e muitos deles, quando a vêem, correm para as pedir. “Vamos pedir Medalhas à Irmã Catarina. Ela já as tem dado aos nossos camaradas”.
“Mas para que vos serve, se não credes em nada?” –– pergunta uma Irmã que os vê passar.
“É verdade que não cremos em quase nada, mas cremos nessa Medalha. Ela já protegeu outros, e também nos protegerá”.
Mesmo àqueles que, revoltados, proferem insultos contra a Religião, Catarina dá Medalhas para que a Santíssima Virgem os converta.
Entre os revolucionários há muitas mulheres, que também levam uma grande faixa vermelha à cintura. Certo dia essas mulheres chegam à escola dirigida pelas Irmãs, para lecionar no lugar das religiosas. Não querem mais que se fale de Deus às crianças, e imediatamente fazem retirar o crucifixo que está na parede.
Quando a nova aula vai começar, uma jovem aluna põe-se de joelhos. Logo as outras a imitam: “Perdão, senhora, mas ainda não fizemos a oração. A nossa professora sempre iniciava a aula com uma oração”.
A piedade das pequenas causa grande furor às revolucionárias, que pretendem apagar completamente das almas dessas crianças o amor a Deus e a Nossa Senhora. A mais temida dessas mulheres chama-se Valentin. Ela criou muitos problemas às Irmãs, mas está longe de suspeitar o que lhe acontecerá.
Uma noite, dois revolucionários armados vêm procurar Catarina e a levam consigo. Antes de partir, ela repete para as outras Irmãs que nada lhe acontecerá. Somente pede que rezem.
Duas horas mais tarde, está de volta. Os revolucionários tinham-na levado para que acusasse Valentin; estavam determinados a fuzilá-la, por a considerarem malvada demais. Mas Catarina lhe salvara a vida, graças às suas respostas cheias de bondade.
Invasão da casa das Irmãs
Um grupo de revolucionários invade um dia a casa das Irmãs. Em meio de muitos insultos e ameaças, decidem fazê-las prisioneiras. Irmã Catarina, muito calma, passa pelo meio deles e oferece medalhas, e muitos as aceitam.
O chefe, chamado Siron, é um verdadeiro bandido que já passara pelo cárcere. Chegara anunciando que fará todas as maldades possíveis com as irmãs. Catarina dá-lhe também uma Medalha.
— “Estou completamente mudado!”, disse então, tocado por algo que o conteve.
Ao longo de três dias as religiosas ficam prisioneiras. Fecham-se na lavanderia para se proteger. À noite, os revolucionários encontraram garrafas de vinho na adega e começaram a beber. Embriagados pela bebida, começam a ameaçar as irmãs. No entanto, chegando à porta da lavanderia, hesitam. Siron, o bandido-chefe que usa a medalha, diz bem alto: “Não temam nada! Eles terão de passar sobre mim antes de chegar até vós”. Deita-se contra a porta e adormece logo. Os outros fazem o mesmo.
Sem fazer barulho, as Irmãs saem durante a noite e vão esconder-se em outro lugar. E no dia seguinte vão embora.
Antes de partir, Catarina e todas as Irmãs vão rezar e cantar diante da imagem de Nossa Senhora que se encontra no jardim. Nenhum dos revolucionários ousa intervir. Catarina pega então a coroa que está sobre a cabeça da imagem da Virgem e promete: “Eu vo-la trarei de volta daqui a um mês, a 31 de maio”.
Os insultos surgem de todos os lados, mas elas conseguem sair de uma Paris inteiramente controlada pelos revolucionários.
Os horrores se multiplicam. Um batalhão de revolucionários que se apelidam “os vingadores de República” concentra-se na Igreja de Nossa Senhora das Vitórias. Há nesse local uma associação que tem por emblema a Medalha Milagrosa.
Cheios de fúria, os revolucionários quebram tudo, abrindo os túmulos do interior da igreja. Quando Irmã Catarina soube da notícia, declarou: “Mexeram com Nossa Senhora, não irão mais longe…”
Com efeito, na semana seguinte o exército francês entra em Paris e esmaga os revolucionários. Poucos dias depois as Irmãs já podem voltar para sua casa. Irmã Catarina traz de volta a coroa da imagem de Maria que fora um pouco danificada pelos bandidos. “Eu Vos tinha prometido, minha boa Mãe, que voltaria para vos coroar antes do fim do mês”.
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